Um conto espacial (Parte 2)

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-PARTE 2-

A comunicação com a Terra é constante. Os recursos implementados para tal efeito são robustos e eficientes. Os contactos com as famílias são diários. Na verdade, o factor limitante é o tempo livre que lhes resta após completarem as suas tarefas diárias. Por vezes as pausas não coincidem com horário terrestre favorável. De nada vale ter tempo livre se no seu país a noite vai a meio e a família está a dormir.

No caso de Idrissa a dificuldade é acrescida porque a sua esposa tem um alto cargo numa multinacional que a obriga a viajar constantemente e a não passar muito tempo no mesmo fuso horário. Casaram recentemente e ponderam mudar de país de forma a minimizar as viagens. Estão felizes em Dakar e a decisão ficou adiada quando Idrissa foi destacado para a missão. As opções em cima da mesa são tão díspares como Berlim, Sidney ou Jacarta. Ele preferia ficar em África e terminar o desafio auto imposto de visitar todos os países do continente. Ela tem um fascínio secreto pela Finlândia e tenta influenciar os destinos da empresa de modo a expandir o negócio para a escandinávia. Muito haverá por decidir depois. O que ficou combinado antes da partida de Idrissa é que vão desfrutar de duas semanas de férias na Tailândia assim que ele regressar.

"Bom dia, já não nos víamos há uns dias. Como vão as coisas por aí?" - pergunta Daniel Parreira aos pais em videochamada.
"Está tudo normal por cá. Frio como é normal em Janeiro mas toda a gente bem de saúde." - respondeu o pai.
"A diferença é que os vizinhos agora estão sempre a perguntar por ti e como é a vida aí em cima." - acrescentou a mãe.
"Diz-lhes que cá em cima às voltas nem sabemos bem se é dia ou noite, Inverno ou Verão. Estamos muito ocupados, não é como o pessoal que vem passar uns dias de férias em órbita."
"Já estás aí há tempo suficente para ter saudades da comida portuguesa?" - pergunta a mãe.
"No dia-a-dia não sinto muita falta mas soube bem o que trouxe. Não passou do Natal. Dei a provar a esta gente e pronto... desapareceu tudo num instante. O habitual."
"E não quiseste levar a ginjinha de óbidos..." - atirou o pai, que ficou ressentido por Daniel não ter aceite a sua sugestão de levar a ginja para brindar com os colegas.
"O peso está contado. Bebidas alcoólicas não constam nas prioridades. Isto aqui é para andar tudo certinho e concentrado no trabalho." - disse Daniel. - "Quando voltar é que vamos celebrar à grande."
"Assim como assim já andam aí todos com a cabeça às voltas, não era a ginja que vos ía pôr pior." - retorquiu o pai em tom brincalhão.
"Quando falares com a Elsa pergunta-lhe pelo sismo. Esta madrugada houve outro pequeno. Nada de preocupante mas agora já toda a gente começa a pensar que pode vir um maior. Se calhar quando voltares já têm 11 ilhas." - disse a mãe.
"Não me digas?! Ainda não fizemos nada de jeito na décima. Não é muito grande mas quando ficar fértil vai ser bonita. Preferia que ficasse tudo calmo, não precisamos de mais terra. E os sismos atrapalham o funcionamento normal da base espacial de São Miguel. Cada vez que aquilo treme são dias ou semanas de medições e esperas antes de lá descolar ou aterrar outro foguete."

A conversa durou mais uns minutos e entretanto no corredor do lado ouvia-se música de meditação.
Ying Yue não dispensa a meditação matinal. Recusa-se a trabalhar ou a fazer qualquer outra coisa enquanto não meditar por 20 a 30 minutos. Esteja ela onde estiver... Estação Espacial incluída! Diz que não seria tão focada sem esta rotina matinal. A seguir bebe um chá em silêncio e em silêncio continua enquanto se dedica arduamente ao trabalho. Os outros já sabem que é pouco faladora neste período. Só vê trabalho e não se deixa distrair facilmente. O almoço é leve e rápido para não a obrigar a afastar-se do trabalho. No fim das tarefas quando todos estão cansados ela surge sorridente, faladora e cheia de energia a brincar com todos.


(image: pixabay.com)

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