Coronel Quintino de Lacerda - um herói esquecido

Quintino de Lacerda, eternamente associado ao Quilombo do Jabaquara

Existem heróis esquecidos do abolicionismo, relegados ao mais puro ostracismo - pela história popular e, quase criminosamente, pelo próprio movimento negro. Um destes heróis é Coronel Quintino de Lacerda, dono de uma das biografias mais cinematográficas do Brasil - e não, não há plano de fazer filme algum em sua homenagem.

O Coronel Quintino de Lacerda não nasceu Lacerda, nem nasceu Coronel. Nasceu escravo, em Sergipe, e foi vendido para São Paulo, onde foi adquirido por Antônio de Lacerda Franco. Com o tempo, Quintino ganhou a afeição de Lacerda, que lhe deu a liberdade e o sobrenome da família.

Quintino de Lacerda, livre, dedicou-se à obra de sua vida. Adquiriu terras em Santos, criando o Quilombo de Jabaquara, o maior quilombo conhecido no Brasil após Palmares.

Entretanto, eram quilombos radicalmente diferentes. Palmares, governado com mão-de-ferro por Zumbi, descendente de imbangalas, uma linhagem de senhores-da-guerra escravistas, não era senão uma reprodução das comunidades africanas que se dedicavam, elas mesmas, à captura e comércio de escravos obtidos nos conflitos com as tribos rivais. Palmares mantinha um grande contingente de negros escravizados em seu próprio interior, muitos deles de propriedade do próprio Zumbi - que não hesitava em executar cruelmente fugitivos.

Jabaquara, entretanto, era diferente. O quilombo inexpugnável, protegido pela encosta do morro de mesmo nome por um lado e guardado por vários sentinelas contratados por Quintino pelo outro, era destino intermediário de escravos evadidos com a colaboração dos integrantes do Movimento dos Caifazes - que, com apoio de uma rede de abolicionistas, maçons e comerciantes, transladava os fugitivos para o Ceará, onde os ex-escravos eram empregados no comércio, com identidades novas, como trabalhadores remunerados.

Em 1850 havia 3.189 escravos em Santos, para uma população livre de 3.956 habitantes. Três meses antes da abolição da escravatura, graças aos esforços de Quintino de Lacerda, não haviam mais escravos em Santos.

Com a abolição, após ser nomeado Major Honorário da Guarda Nacional, em 1893, decidiu se lançar à política, levando à frente seu objetivo de integrar o negro à política nacional. Foi eleito em 1895 - o primeiro vereador negro no Brasil.

Sua posse foi tumultuada, pois setores racialistas da política não aceitavam que um negro ocupasse um mandato parlamentar. Primeiro, sofreu uma negativa direta de posse, que fez o caso chegar ao judiciário paulista, onde Quintino foi vitorioso. O presidente da Câmara, Manoel Maria Tourinho, frente à vitória de Quintino, renunciou ao mandato, seguido pelo vereador Alberto Veiga. O novo presidente, José André do Sacramento Macuco, empossou Quintino a contragosto, renunciando em seguida, declarando-se "enojado com o que via". A Câmara suspendeu as atividades, devido à crise e às renúncias, voltando sob a presidência interina do próprio Quintino. O último dos abertamente racialistas, Olímpio Lima, não renunciou, mas simplesmente parou de comparecer às sessões legislativas. Teve, por isso, seu mandato cassado - pelo próprio Quintino.

Morreu pouco tempo depois, recebendo honras de herói, com o caixão envolvido pela bandeira nacional. Recebeu, postumamente, a patente de Coronel do próprio Marechal Deodoro da Fonseca, em reconhecimento ao seu heroísmo.

É uma história impressionante. E, apesar disso, o movimento negro atual troca uma personalidade como esta por Zumbi, um tirano sanguinário e escravista, que, de herói, não possui absolutamente nada.

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