Uma dos meus diálogos preferidos em "Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain"

Considero "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" ("Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain") um dos melhores filmes já criados, que conta também com uma trilha sonora despretensiosamente espetacular (produzida por Yann Tiersen).

Esses dias lembrei de uma cena do filme, onde Amélie olha para um quadro e comenta sobre uma das pessoas que está pintada nele. Lembrava o significado da cena, mas não muito bem o diálogo, aí baixei a legenda do filme e encontrei o trecho.

O quadro em questão é o "Le Déjeuner des canotiers" ("O Almoço dos Barqueiros"), do francês Pierre-Auguste Renoir. Segue a pintura e sua descrição na wikipédia:


Pierre-Auguste_Renoir_-_Luncheon_of_the_Boating_Party_-_Google_Art_Project.jpg

"A figura, que combina figuras, natureza-morta e paisagem num mesmo trabalho, mostra um grupo de amigos de Renoir a relaxar numa varanda da Maison Fournaise, ao longo do rio Sena, em Chatou, França. O pintor e patrono das artes, Gustave Caillebotte, está sentado em baixo à direita. A futura esposa de Renoir, Aline Charigot, encontra-se no primeiro plano a brincar com um pequeno cão. Na mesas estão frutas e vinho.

A diagonal do corrimão serve para separar as duas metades da composição, uma onde se encontram muitas pessoas, e a outra quase vazia, excepto as figuras da filha do dono da casa, Louise-Alphonsine Fournaise, e o seu irmão, Alphonse Fournaise, Jr, os quais foram retratados de forma proeminente pelo seu contraste.

Nesta pintura, Renoir capta uma imensa quantidade de luz. O principal foco da luz vem da grande abertura da varanda, ao lado do homem com chapéu. As camisolas sem mangas de ambos os homens em primeiro plano, e a toalha de mesa, reflectem conjuntamente a luz espalhando-a pela composição."

Aí pesquisando um pouco mais achei essa postagem que descreve bem a cena, trecho:

spoiler alert

"(...)
O filme de Jeunet de alguma forma resgata a esperança em nós mesmos, daquilo que podemos fazer por nós apesar das nossas fraturas, das nossas dores, da nossa história.

Não podemos deixar de fazer algumas considerações sobre o sr Dufayel, “O homem de Vidro”, o artista solitário que teme o contato com os outros, que faz cópias e mais cópias de quadros de Renoir e parece não ter ousado pintar seus próprios quadros, ou seja, alguém que não expandiu sua capacidade criativa. Uma das moças do quadro “O almoço dos Barqueiros” aparece distante e ele não consegue dar-lhe vida, não consegue pintar-lhe os olhos. O quadro vai tomando corpo ao longo do filme. Há momentos em que o diálogo entre Amélie e o pintor lembram uma conversa analítica. Vejamos recortes do diálogo dos dois, tendo o quadro de Renoir como pretexto para uma aproximação:

Amélie: gosto muito deste quadro.
Pintor: O almoço dos Barqueiros de Renoir. Há 20 anos pinto um por ano. O mais difícil são os olhares. Às vezes parece que mudam de humor assim que viro de costas.
Amélie: parecem muito contentes.
Pintor: É claro! Nesse ano tiveram lebres com cogumelos e biscoitos polvilhados de canela para as crianças... (Eles dois, por sua vez, estão ali na intimidade, regados a vinho quente e biscoitos com canela). Depois de todos esses anos, o único personagem que não consigo apreender é a menina com o copo d’água. Ela está no centro e ainda assim está fora.
Amélie: Talvez seja apenas diferente. Responde Amélie, indiscutivelmente falando de si própria.
Pintor: Em que?
Amélie: Não sei.
Pintor: Quando era pequena quase não brincava com outras crianças. Talvez nunca (diz ele numa referência direta a ela).

Em um outro encontro Amélie retoma a conversa sobre o quadro:

Amélie: Sabe a garota com o copo d’água? O seu ar desligado talvez seja por estar pensando em alguém.
Pintor: Alguém no quadro?
Amélie: Não, um garoto. Com quem cruzou em algum lugar e por quem sentiu uma afinidade.
Pintor: Em outras palavras, ela prefere imaginar uma relação com alguém ausente do que criar laços com aqueles que estão presentes.
Amélie titubeia e diz: Humm, Pelo contrário, talvez faça de tudo para arrumar a vida dos outros.
Pintor: E ela? E as suas desordens...quem vai por em ordem?

Amélie: Antes se dedicar aos outros do que a um anão de jardim, comenta ela numa clara referência ao pai.
Mais adiante no filme os dois encontram-se novamente e ele lhe diz: Acho que fui muito duro com a moça do copo d´água. Ela tornou a ver o garoto com quem cruzou um outro dia?
Amélie: Não. Na verdade não se interessam pelas mesmas coisas.
Pintor: A sorte é como o Tour de France. Aguardado com ansiedade e passa tão rápido. Quando chega a hora tem que saltar sem hesitar. Diz o sr Dufayel em alusão ao circuito e chamando-a para a realidade, como que lhe dizendo: acorda Amélie, o tempo passa e você não é eterna, não tem todo o tempo do mundo...
Dando continuidade ao diálogo, temos:
Pintor: Então, é este aqui com a mão para cima?
Amelie: sim.
Pintor: Ela está apaixonada por ele?
Amélie: Sim.
Pintor: Acho que está na hora dela assumir o risco.
Amélie: Sim. Ela está pensando em um estratagema para...
Pintor: Ela gosta mesmo de estratagemas. É, nós aqui sabemos o quanto ela é ardilosa!
Amélie: Sim.
Pintor: Na verdade é um pouco covarde. Por isso não consigo captar seu olhar.

A conversa entre os dois é encerrada. Amélie vai pensativa para casa, sentindo-se incomodada e pressionada pelo que ouviu do amigo pintor. Um tanto dominada por angústias persecutórias fantasia uma cena na TV em que um ditador, parece-me que Stalin diz: A vontade de Dufayel intervir é intolerável. Se Amélie prefere viver no sonho...e continuar uma jovem introvertida...tem todo o direito de estragar sua vida.

Após isso, em sua casa prepara um bolo, fantasiando estar acompanhada pelo Nino que foi comprar para ela o fermento que faltou. Sua fantasia não a satisfaz. Ela então se deprime e começa a chorar. Pouco antes ela já dissera em resposta a pergunta da zeladora Mado que naquele dia ela não estava acreditando em milagres. Naquele momento de dor é como se a ficha caísse (insight) e ela entrasse em contato com o vazio de sua existência. Pensei o fermento com algo que faz crescer, desabrochar, como o amor, a parceria que tempera a vida.

No momento seguinte o telefone toca e seu amigo pintor pede para ela ir até o quarto. Lá ela liga o vídeo e ouve uma mensagem que diz em tom sério, profundo e amoroso: Amélie, minha querida seus ossos não são de vidro. Você pode suportar os baques da vida. Se deixa passar essa chance... com o tempo , o seu coração vais se tornar... tão seco e quebradiço quanto meu esqueleto. Por isso, vá em frente pelo amor de Deus! (...)"

Quem ainda não assistiu, vale muito a pena ver o filme, se possível no seu idioma oficial, francês (com legendas, caso precise), para sentir ao máximo sua essência.






(post escrito ao som da trilha sonora do filme)

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