Hipermodernidades 10 - o incontinente progresso

Espera-se sempre tempos melhores. Como se fosse um deus menor escondido nos interstícios das nuvens. Espera-se sempre tempos melhores, um amanhã radiante, um tempo de sol como sinal de felicidade e abastança. Há uma certa crueldade nesta esperança, que não deixa de estar presente, enquanto os dias vão passando lentos e cinzentos sob estandartes hediondos, cujas palavras de ordem e argumentário são «megafonizados» por televisões cada vez mais manipuladas pelos defensores do crescimento a todo o custo. Mais não são do que «avatares» da desgraça, da miséria, da morte.

O progresso já não é o que era. A ideia tradicional de progresso que exibia florestas a ser destruídas para dar lugar a metrópoles já não faz muito sentido numa lógica de venda imagética do futuro já.

Hoje, o progresso é tão rápido e mutante que, paradoxalmente, mal se lê e se olha.

O progresso serve-se da intuição tecnológica do grupo-alvo a quem se destina essa linguagem de fragmentos.

Como se o progresso fosse uma espécie de argumento interminável para uma telenovela embrutecedora, que vive de suspensões infindáveis, sustentado em promessas desconhecidas.

O progresso não traz muita coisa de novo. Traz pacotes de «novidades» que não ajudam a pensar.

Este progresso manipula mentes pela insistência dos seus códigos, pela velocidade e pelo excesso; há um novo-riquismo de sinais, códigos e ícones. Mas ainda assim o progresso continua a destruir. E agora vai direitinho ao conhecimento.

O progresso contra o saber. Disfarça a sua destruição com mega-informação, com «overdoses» de informação e, ainda assim, não é conhecimento nem saber. Este progresso não deixa lugar ao pensamento, à observação, à contemplação. Este progresso invade todos esses espaços para que não se observe, para que não se pense, para que não se contemple.

Diria que se trata de um progresso frio, sem temperatura de sobrevivência. É um progresso que vai matando a curiosidade pelo saber. É um progresso de uma ciência mastigada, pronta a ser consumida já e descartada uma hora depois. Este progresso é uma «fast science», apresentado em embalagens de luxo que acabarão nos contentores de lixo com os seus conteúdos muito antes do prazo de validade de uma existência prevista porque novas surgem em cascata.

É um progresso incontinente. Que fabrica sem preservativo. Que faz nascer e morrer num curto prazo. É um progresso autofágico, canibal, destruidor da mais profunda raiz do prazer de pensar. Este progresso não deixa pensar nem formular.

Este progresso mastigado de fábrica criou uma ideia de conhecimento que em si é um produto de moda. A moda da ignorância de saber quem se é, de onde se veio. Este é o progresso da robótica, da máquina telecomandada, sem órgãos, mas não é o progresso do humanismo, antes a sua morte lenta.

Este é o mundo hipermoderno. Das hipertensões, dos hipermercados, das híper-imagens, da hiperviolência, da hipervelocidade e da híper-ignorância. Em nome dos famigerados mercados sem rosto. «Não pense. Consuma teclas e cliques, meio segundo de imagem e puré sintético».

Criam-se doenças psicológicas graves com a mesma lógica que surgem monumentos à ignorância com os chamados livros de autoajuda num processo de destruição programada da inteligência. A incompetência científica encartada a exibir-se despudorada e imoderadamente sob a capa provinciana que publicita que tudo o que venha dos incontinentes «states» é bom, a única saída para sobreviver numa sociedade híper-doente. Promovem-se epígonos.

Vivemos numa sociedade de contrafacção registada como marca da hipermodernidade. É a pornografia do futuro a impor-se como etiqueta de um falso progresso recheado de produtos obsoletos, de lixo electrónico, de poluição exponencial, de uma paisagem comercial de imprestáveis. De invólucros vazios. As grandes marcas surgem como templos de uma nova religião, de uma religião escatológica.

Há uma corrida ao impossível que afecta o mundo dos possíveis. Que mata a possibilidade de pensar o possível enquanto o sugador abíssico se abre cada vez mais a uma sociedade que se perde no mistério, no desconhecido, no impossível regresso ao sabor da vida.

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Foto: José Lorvão

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