#FILMOTECA – Os Famosos e os Duendes da Morte (2009)

Filme poético e existencialista brasileiro, envolto nas neblinas do interior sulino, nas músicas de Bob Dylan e na depressão juvenil que encontra refúgio na internet.

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Direção: Esmir Filho | Gênero: Drama
Ano: 2009 | Nota no IMDB: 6,7/10

ESSE TEXTO CONTÉM ALGUMAS INFORMAÇÕES QUE PODEM SER INTERPRETADAS COMO SPOILERS (apesar de eu ter evitado colocar as partes vitais da trama)

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Não sou um espectador muito assíduo do cinema nacional, opção pessoal. Parte disso é por nunca me sentir muito identificado com aquilo que é exibido em vários aspectos. No caso de Os Famosos e os Duendes da Morte, acontece o oposto: a identificação é plena, chegando a ser uma experiência dolorosa e até confusamente nostálgica.

O filme se passa na pequena cidade de Estrela, Rio Grande do Sul, onde conhecemos um jovem que se identifica como Mr. Tambourine Man (Henrique Larré) em sua vida na internet, seja blogando ou mantendo conversas pelo antigo MSN. Ele nutre uma espécie de obsessão por uma garota de pele branca e cabelos morenos, interpretada por Tuane Eggers. Ela sempre é apresentada dentro de um quadro nostálgico e onírico – palavra que descreve bem o filme –, entre campos floridos repletos de neblina ou dando a entender que teve alguma importância desconhecida no passado de Tambourine Man.

O protagonista tem o sonho de ir ver seu ídolo Bob Dylan ao vivo, sempre falando disso com seu amigo Diego (Samuel Reginatto) enquanto andam pelas noites frias e desertas da pequena cidade rio-grandense de Estrela. O protagonista encontra refúgio para suas tendências melancólicas em coisas como a música folk e a internet; Flickr, Msn, Youtube e em seu blog. Com uma visão profunda da vida e das coisas que lhe afetam, ele sempre retorna ao seu blog para transcrever pensamentos de maneira poética. Também volta frequentemente aos vídeos da misteriosa garota mencionada anteriormente, que é um elemento chave do filme, justificando em alguma medida o modo de ser do personagem principal, do misterioso Julian (Ismael Caneppele) e da própria cidade.

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Pelo menos dentro de minha percepção, o filme conta com um inestimável valor nostálgico. Entre muitos componentes, um que colabora decisivamente para tal é o da juventude. Não é todo jovem que passa por isso, mas o filme trata bem de uma parcela da juventude que raramente se enquadra nos gostos ditados pela maioria. São aqueles outsiders melancólicos, individualistas, de gostos diferenciados e aura sombria. O garoto que não quer jogar futsal na educação física ou a garota que vê como futilidade as preocupações de suas colegas. São bem esses os jovens que procurarão refúgio na arte, seja na música ou no próprio mundo virtual. Ali, a virtualidade se converte numa experiência existencialmente real, um âmbito existencial legítimo além de um tipo de fuga ou de abrigo separado de um mundo que não é capaz te compreender. O apelo do filme é para essa camada mais sensível e de percepções profundas. Em um nível pessoal, consigo facilmente relacionar o filme à época em que me encaixava nessa descrição, época que foi, curiosamente, a mesma do seu lançamento, 2009.

Os Famosos e os Duendes da Morte é uma experiência diferenciada, estética, para quem tem um olhar mais melancólico para a existência e tem alguma afinidade com o lado mais obscuro e underground da juventude. A partir daí, a identificação com seu conteúdo é bastante fácil, amplificando a experiência de envolvimento e de empatia pelos personagens.

Além de tratar da questão da juventude, temos uma interessante abordagem de uma cidade bem pequena que, apesar da superfície bem organizada, ordenada e até feliz, convive com sintomas coletivos de uma grande depressão que vez ou outra leva ao destino terrível da ponte. Como comunidade, os habitantes tentam enfrentar essa tristeza crônica que afeta os moradores. Mr. Tambourine Man diz que sente existir um peso que te puxa para baixo quando você olha de cima da ponte para o rio. Seguindo desse ponto, é natural associar o papel contraposto de indivíduo e coletivo, do personagem principal e da cidade como coletividade. É como se esse jovem, e mais alguns, dotado de especial sensibilidade, exteriorizasse na própria pele a melancolia que afeta toda uma localidade. Enquanto todos estão lá, tentando festejar para esquecer que houve uma tragédia, o protagonista não entende isso – é a loucura da sociedade ou a falta de compreensão do adolescente sobre os modos de se lidar com as dificuldades? –, afundando em seus próprios abismos. O momento da festa junina germânica no filme é ambíguo: apesar de ser uma ocasião festiva, mesmo que após uma tragédia, há algo de triste naquele ambiente. A música alemã repetida por várias vezes aos poucos passa uma sensação de vazio e de desbotar melancólico. É como se todos estivessem festejando com uma dor profunda no peito, buscando uma forma de mascarar a tristeza que existe na cidade, da mesma forma que a mãe do protagonista, interpretada por Áurea Baptista, tenta fugir da solidão da viuvez conversando com seu cachorro. Aliás, a atuação da mesma atriz no momento da festa em conjunto com Henrique Larré é memorável e exemplifica bem o que foi mencionado sobre a ambivalência presente no momento.

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Há outro aspecto pessoalmente nostálgico que julgo muito relevante no filme. Ele é gravado no inverno de uma pequena cidade de colonização alemã do Rio Grande do Sul. A produção não economiza nos regionalismos e nas características típicas da região. Ao contrário de muitos outros filmes brasileiros, aqui nós temos a presença do frio constante, da neblina que engole horizontes, de uma melancolia existencial muito específica e de elementos bastante europeus na trama. É como se fosse um lugar separado do Brasil, pois não se encaixa nos estereótipos veiculados do país. Porém, o filme não força isso, ele apresenta aquilo em termos de que aquela é uma realidade que existe e foi o enquadramento escolhido do filme, mas de modo natural; o telespectador é convidado a conhecer aquele pedaço sem ser submetido a constantes comparações ou menções ao resto do país. É um lugar que existe por si, mesmo que pareça alheio ao resto do Brasil. A exoticidade da ambientação parece ajudar a isolar melhor os conceitos trabalhados, como a depressão e o vazio.

Ao menos em algum nível, qualquer pessoa nascida no interior do Sul do Brasil se identificará com alguma coisa do filme; seja o sotaque gaúcho, o uso de expressões como piá e colono, o jeito das casas, das ruas, a forte presença germânica e até aquela discreta frieza que os habitantes do Sul interiorano costumam ter em maior medida que o resto dos brasileiros. A ideia de vagar pelas ruas de uma cidade pequena no inverno, bebendo alguma coisa, discutindo temas profundos, indo a locais desertos e inusitados enquanto todos dormem, apenas para ter uma experiência diferente, isso também é um fator de identificação para muitos que vivem ou viveram essa realidade. É a essência dos anos de uma juventude que muitos participantes desse mundo experimentam. Há uma beleza nisso, uma beleza que, infelizmente, raramente é poetizada dessa forma. Acredito que o poetizar de uma realidade, a elaboração estética em torno de um contexto existencial, dá um sentido mais profundo às coisas, além de uma sensação poderosa de pertencimento e nostalgia. É uma referência enraizada de ser no mundo, de sentido à vida, que o poetizar da existência permite, coisa que fica para trás dentro da dinâmica da globalização.

Curiosamente, o diretor Esmir Filho é o mesmo que dirigiu um famoso vídeo de humor que ganhou popularidade na internet há cerca de uma década, o curta Tapa na Pantera. Os Famosos e os Duendes da Morte é um filme muito diferente, mostrando versatilidade de Esmir. O filme ganhou vários prêmios e bastante visibilidade, sendo popular com o tipo de público que foi caracterizado anteriormente nesse texto. O filme não foi produzido com um orçamento muito grande, tanto que a única música de Dylan inclusa foi Mr. Tambourine Man. Os atores foram reunidos através da internet. O filme em si tem muito a ver com o mundo virtual, tanto em sua trama como na forma que ganhou seu público. Os mesmos jovens que encontram refúgio existencial no meio virtual, como mostrado no filme pela figura do protagonista, também encontrarão ecos de sua natureza em Os Famosos e os Duendes da Morte. Abrindo o texto novamente para um comentário mais pessoal, diria que é o filme nacional que mais estimo e um filme que recomendo sem hesitação para boa parte dos meus conhecidos.

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Referências

Fonte 1
Fonte 2
Fonte 3
Imagens 1 e 2
Imagem 3

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