#FILMOTECA - Alphaville (1965)

Distopia tirânica espacial através do imaginário sessentista pelas lentes de Godard.

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Direção: Jean-Luc Godard | Gênero: Sci-fi, Drama, Mistério
Ano: 1965 | Nota no IMDB: 7,2/10

ESSE TEXTO CONTÉM ALGUMAS INFORMAÇÕES QUE PODEM SER INTERPRETADAS COMO SPOILERS (apesar de eu ter evitado colocar as partes vitais da trama)

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Esse filme é bastante interessante, combinando características de filme noir e da nouvelle vague com ficção científica ambientada em um futuro distópico. Lemmy Caution é um agente secreto que, disfarçado de jornalista, é mandado à cidade espacial de Alphaville, uma tecnocracia ditatorial que vive apartada do resto do mundo e tem seus próprios planos de evolução.

Apesar de se tratar de uma cidade espacial, todas as cenas de Alphaville são filmadas na Paris noturna dos anos 60. Contudo, a forma como o filme é filmado e o modo como a estória é contada fazem o telespectador se sentir imerso num ambiente estranho, um tipo de futuro onde, por algum motivo, o estilo e a arquitetura remetem ao mundo noir dos anos 60.

Lemmy chega nessa cidade misteriosa e, sob o disfarce de jornalista, passa a catalogar tudo que é possível. Porém, na realidade, ele está engajado em missões específicas. Busca encontrar um agente desaparecido; intenta capturar ou matar o criador de Alphaville (Professor Von Braun) e, por fim, destruir o computador que coordena Alphaville, chamado de Alpha 60.

A cidade futurística é uma criação utópica de Von Braun, este que parece ser inspirado em Wernher von Braun, antigo cientista do III Reich que foi depois da guerra aos EUA para trabalhar no programa espacial americano. Em nome da total eficiência e da obliteração da individualidade, o computador Alpha 60, desenvolvido por von Braun, eliminou coisas como pensamento livre, sentimento e ideias que pudessem ir contra a superestrutura social daquela sociedade.

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É interessante reparar que um dos mecanismos de controle implementados em Alphaville é o de modificação da linguagem. As pessoas desconhecem o significado de palavras como amor e consciência. Há uma grande lista de palavras que foram simplesmente banidas. A ideia que subjaz nesse fato está em que a linguagem pode delimitar o pensamento, dificultando a expressão de certas ideias e sentimentos, pois vários seriam os casos em que as pessoas não conseguiriam articular conceitos com os quais não fossem familiares. Portanto, limitando a abrangência do campo semântico pessoal, também se limita a articulação de ideias subsequentes àquelas mais basilares. Se ninguém se pergunta sobre consciência e amor, dificilmente vão desenvolver algum tipo de subjetividade que se oponha à superestrutura social. E, caso poucos desenvolvam, o sistema tratará de eliminá-los sem grandes dificuldades. Inclusive, aqueles que vão morar em Alphaville vindos de fora e não se adaptam ao estrito regime tecnocrático, são colocados em guetos antes da morte eminente. A referência à história do nazismo é recorrente, mas distorcendo-a para algo de caráter técnico, lógico e de supremacia da razão a qualquer tipo de inclinação passional.

Na sua jornada, Lemmy se envolve com a filha do professor von Braun, Natasha von Braun, interpretada pela grande atriz Anna Karina, presença constante nos filmes de Godard. A relação entre eles é bem explicativa do abismo cognitivo que se estabelece entre alguém criado dentro de Alphaville e de sua visão de mundo regida pelo computador Alpha 60 de alguém que vem de fora. O abismo não se dá em termos de quem seria mais ou menos inteligente, pois ela mesma é exímia programadora, mas o abismo fica entre a amplitude de categorias à disposição do indivíduo. Em alguém criado com sucesso pelo sistema absurdo de Alphaville, articulações de natureza sentimental são praticamente impossíveis.

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A execução do filme é bastante satisfatória. O forte contraste entre os tons claros e escuros, os ambientes noturnos, os sons futuristas emitidos pelo computador, o estilo e andamento dos personagens, tudo serve para colocar o telespectador em um tipo de mundo diferente, futurístico e noir. Godard tem sucesso em criar uma sociedade futurista usando cenários que lhe eram disponíveis no tempo da produção. Além das implicações filosóficas, também são apresentadas no filme outras características de Godard, como os fortes elementos narrativos.

É um filme excelente e especialmente recomendado para aqueles que apreciam o cinema noir e profundas reflexões sobre a influência que a técnica tem sobre nós no cotidiano e como um desequilíbrio totalmente voltado a ela poderia mudar nossa própria forma de ser no mundo.

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Referências

Fonte 1
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Imagem 2
Imagem 3

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