[ARTICLE] A economia das favelas (Português)

A economia das favelas


Há algumas semanas eu estava assistindo ao jornal e, no intervalo, mostrou o programa que iria passar em seguida. Era um documentário sobre empreendedorismo nas favelas do Rio de Janeiro. A princípio, eu não achei que seria tão interessante quanto o programa se mostrou ser depois que eu o assisti, mas, como eu estava com a tarde livre, fiquei ali sentado.

O programa mostrava iniciativas empreendedoras dentro das próprias comunidades, em que seus idealizadores buscavam melhorias e mudanças em suas situações, partindo do princípio básico de que apenas melhoramos nossas próprias condições através do trabalho.

Um dos exemplos mostrados no documentário foi o de um senhor que começou a prestar serviços de correio e entregas dentro da comunidade. Este senhor, com ajuda de outras pessoas, mapearam a favela e criaram um sistema de identificação das casas e estabelecimentos, a fim de facilitar a entrega de cartas e encomendas. Sendo assim, os Correios e outras empresas de fora entregam os pacotes para a empresa dele, e esta faz a distribuição dentro da comunidade.

Com o passar do tempo, os serviços deste senhor foram crescendo, e hoje ele tem funcionários e filiais abertas por toda a favela. É importante dizer que os funcionários também são membros da comunidade, o que nos faz perceber que não só a iniciativa privada e os serviços descentralizados são plenamente favoráveis ao desenvolvimento de uma região, como também que a visão que temos das favelas é totalmente equivocada.

Vejam que as possibilidades de negócios e crescimento são uma realidade social inerente à própria favela, pois é a ação humana voluntária, e não uma imposição estatal, que estimula o crescimento.

Numa comunidade como a apresentada no documentário, temos uma realidade econômica que exemplifica um conceito muito importante: O potencial de riqueza e a riqueza material. O potencial de riqueza é o material humano detentor de força de trabalho, essa força, caso entre em funcionamento, será capaz de gerar a riqueza material, que é a concretização do esforço realizado pelo potencial de riqueza que detém, naturalmente, o ser humano.

Indo mais a fundo, o cerne do empreendedorismo das favelas esta no fato de que a comunidade, por ter sido marginalizada e excluída da sociedade “civilizada”, materialista e consumista, passou por um processo de ressignificação da cultura e costumes ditos “normais” da sociedade que a excluiu, criando assim uma espécie de consciência coletiva, de ver no outro um igual, membro da mesma comunidade.

A partir desse momento, vemos nas favelas uma realidade que o sociólogo Durkheim chamou de solidariedade mecânica. Esse termo descreve o funcionamento de uma sociedade simples, onde seus membros partilham crenças e costumes semelhantes, realizando atividades e se organizando de forma parecida com a de tribos consideradas primitivas.

Essa forma de funcionamento é diferente da nossa sociedade, que, segundo Durkheim, é uma solidariedade orgânica, onde os membros têm crenças e costumes diversificados, mas vivem em relativa harmonia devida não só à complexidade da diversidade de pessoas, mas também da organização estatal que reprime tentativas de conflito entre os grupos sociais.

Dentro da favela não temos uma forma plenamente organizada de repressão de violências sociais, mas temos uma lei “informal”, predominantemente de direito penal, típica das sociedades de solidariedade mecânica.

Dessa forma, entendemos então o motivo das favelas buscarem seus próprios meios de organização e solução de problemas, elas não querem, e aqui estou cometendo um pecado de generalização, interferência da nossa sociedade. Por elas terem passado por tantos processos de isolamento e ressignificações de crenças e costumes, elas acabaram por se tornar comunidades que vão sendo cada vez mais autossuficientes, produzindo seus próprios mecanismos de regulações e atendimento de demandas de bens e serviços.

Em verdade, o maior problema das favelas é a violência, retire esse fator terrível da equação e o que veremos é uma comunidade extremamente abundante em potencial de riqueza, cultura e diversidade, pronta para provar que as pessoas são o fator decisivo no caminho do fracasso ou do progresso, e que se forem livres, demonstrarão para quem quiser ver que não é o Estado quem nos garante uma vida digna, mas sim iniciativas particulares de melhoramento e resolução de problemas.

Este é o documentário:

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