Futebol sem campo

Embora nunca fosse muito fã de assistir futebol, eu gostava de jogar. E embora eu não fosse maioral no colégio, entre os amigos de rua eu estava no mesmo nível.
Houve uma época em que sempre a gente jogava. Inicialmente, quando éramos bem novos não era bem futebol, mas um "brincar de bola" que fazíamos de boa em cima da garagem do meu pai. Era pequeno mas pra essa fase inicial bastava. Com o passar do tempo, fomos adequando o futebol ao que se via na TV e se fazia nas aulas de educação física e aquele espaço já se tornou insuficiente e precisamos procurar outros. Primeiramente fomos tentando no passeio na frente da casa de um amigo, mas aquilo foi suficiente para acabar com a grama deixando o pai dele puto de raiva. Logo precisamos adaptar o campo novamente e passamos a jogar na rua mesmo, os gols a gente marcava com chinelo e quando o carro ia passar nós saíamos do campo e depois voltávamos.

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Houve até uma vez que a gente tava jogando e veio um corvette com uma mulher loura gostosa dirigindo e passou. Ficamos comentando uns com os outros "Você viu? Você viu?". Passou um tempo e novamente a mesma loura passou com o mesmo corvette só que na direção contrária. Combinamos entre nós que caso ela passasse novamente, iríamos darmos as mãos fazendo uma barreira humana pra ela parar o carro e conversarmos com ela. Para a nossa surpresa, depois de uns 20 minutos lá estava o corvette vindo novamente. Nós todos nos damos as mãos fazendo uma barreira humana e a medida que o carro foi se aproximando ele foi acelerando dando todas as demonstrações de que não iria parar. Obviamente quando ele foi chegando perto, vendo nós que a barreira humana foi infrutífera, pulamos metade pra um canto da rua outra metade para o outro canto, quando foi a nossa surpresa que naquela vez era um homem que estava dirigindo, acredito que era o marido da loura.

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Com o passar do tempo, fomos desanimando de jogar na rua pois o pé sujava bastante ficando preto e tínhamos que jogar descalsos pra marcar as traves. Foi quando um amigo de um amigo nosso veio nos dar o toque:
"Na minha escola tem um campinho de futebol que fica aberto, mesmo quando eles fecham eles apenas amarram a porta de madeira com um corda. Se vocês quiserem a gente joga lá."

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Não pensamos duas vezes, fomos ao tal campinho que ficava na frente da escola, a mesma que citei em outro texto sobre a Feira de Cultura.
Eram sempre nos sábados e domingos que jogávamos bola, já que nos dias de semana tínhamos que estudar. Por isso o local estava sempre vazio. Mesmo assim não ficávamos tão preocupado, afinal tinhamos um aluno da escola jogando com a gente. Um dia ele veio e falou:
-Não poderei mais ir lá jogar com vocês!
-O que faremos então se alguém perguntar quem deixou a gente vir aqui?
-Digam que foi a Ângela* que deixou e estará tudo bem.

Ficamos tranquilo e continuamos jogando bola no local. Apesar da contravenção de estar usando um espaço privado que não era nosso para jogar (Embora meio que nos auto-enganávamos, no fundo todos sabíamos que era ilícito aquilo), nós sempre tomávamos cuidados com a quadra, fechávamos a porta direitinho com cuidado, não espalhávamos lixo, etc.

Um belo dia no meio de um jogo divertidíssimo de domingo, um homem e uma mulher que estavam fechando a porta da escola do outro lado da rua nos viu e a mulher deu um grito chamando a nossa atenção. Paramos o jogo e formos ver o que era.
-Quem deixou vocês jogarem bola aí dentro?

Sem pensarmos duas vezes dizemos em coro:
-Foi a Ângela que deixou!

Quando a mulher gritou:
-EU???

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Pronto, ali terminava a nossa história de jogar futebol naquele campo, recolhemos nossos pertences, fechamos a porta nas coxas e fomos saindo ligeiro e calado. A Ângela que estava com um homem começou a telefonar para alguém falando que estava acontecendo e nem ficamos pra ver o que ia dar.

Obviamente nas semanas seguintes não mais jogamos bola lá, só fomos jogar depois esporadicamente em clubes ou outros locais que alugavam quadras aonde rachávamos o pagamento. Ou então jogávamos na rua mesmo porém em menor frequência. Logo na semana seguinte eu passei de carro na frente da escola e vi que derrubaram a porteira de madeira que se arrastava e colocaram um de metal que era trancado e tudo mais. Com o passar do tempo fecharam a entrada com paredes altas e aquelas cercas cortantes que colocam em cima dos muros.

Claro, hoje não julgo que o que fazíamos é certo, talvez fosse passível de alguma indenização para os donos equivalente a um aluguel da quadra. Mas na época éramos adolescentes descabeceados e, embora tivéssemos a plena noção de aquilo era errado, fomos muito por impulso mesmo sem querermos pensar nas consequencias éticas.

*Nome obviamente modificado.

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