Ser ateu costuma atrair julgamos equivocados: não raro as pessoas pensam que é sinônimo de revolta, de descrença absoluta, de vazio. Não se permitem ver que ser ateu simplesmente é discordar de um dos inúmeros fatores que constroem nossa vida. Em um mundo com tantas religiões e deuses diferentes, todos igualmente relevantes, causa surpresa o ateísmo ainda ser difícil de entender.
Para ajudar, deixo aqui a tradução de uma carta da viúva de Carl Sagan, que ilustra bem como essas pequenas diferenças se manifestam no cotidiano:
foto: David Cowan
"Quando meu marido morreu, uma vez que ele era famoso e conhecido por ser descrente, muitas pessoas me procuraram - isso ainda acontece um pouco - e me perguntavam se o Carl mudara no final da vida e se convertera, acreditando na vida após a morte.
Carl encarou a morte com coragem inquebrantável, jamais buscando abrigo em ilusões. Foi trágico sabermos que nunca mais nos veríamos; não, eu não espero revê-lo outra vez. No entanto, foi incrível que, enquanto estivemos juntos, por quase vinte anos, vivemos com a clara consciência do quão breve e preciosa a vida é. Nós nunca banalizamos o significado da morte, fingindo que ela fosse algo mais que uma separação definitiva.
Cada momento no qual estivemos vivos e juntos foi milagroso - não milagroso no sentido do inexplicável ou sobrenatural. Sabíamos que nos beneficiáramos do acaso... e como ele foi generoso e gentil... pudemos nos encontrar, como Carl escreveu de forma linda em Cosmos, na vastidão do espaço e na imensidão do tempo... pudemos ficar juntos por vinte anos. É isso que me dá forças, e é muito mais significativo...
A forma como ele me tratou e a forma como eu o tratei, a forma como cuidamos um do outro e de nossa família, enquanto ele viveu. Isso é tão mais importante do que a ideia de que eu o veria outra vez! Não acredito que o verei. Mas eu o vi! Nós vimos um ao outro. Nós nos encontramos no cosmos, e isso foi maravilhoso".
(Ann Druyan, falando sobre seu marido, Carl Sagan)